domingo, 27 de junho de 2010

Desvio de função


Quando entrei nos Museus Vaticanos em Roma, e pude observar a grandiosidade das coleções de objetos de arte, me senti como Estevão quando entrou no Sinédrio em Jerusalém, convocado por Saulo. A passagem do livro "Paulo e Estevão"* relata:
"O moço de Corinto fixou o quadro que o rodeava, considerando o contraste de uma e outra assembléia e recordando a última reunião da sua igreja pobre, onde fora compelido a conhecer tão caprichoso antagonista. Não seriam aquelas as “ovelhas perdidas” da casa de Israel, a que aludia Jesus nos seus vigorosos ensinamentos? Ainda que o judaísmo não houvesse aceitado a missão do Evangelho, como conciliava ele as observações sagradas dos profetas e sua elevada exemplificação de virtude, com a avareza e o desregramento? O próprio Moisés fora escravo e, por dedicação ao seu povo, sofrera inúmeras dificuldades em todos os dias da existência consagrada ao Todo-Poderoso. Job padecera misérias sem-nome e dera testemunho de fé nos sofrimentos mais acerbos. Jeremias chorara incompreendido. Amós experimentara o fel da ingratidão. Como poderiam os israelitas harmonizar o egoísmo com a sabedoria amorosa dos Salmos de David? Estranhável que, tão zelosos da Lei, se entregassem de modo absoluto aos interesses mesquinhos, quando Jerusalém estava cheia de famílias, irmãs pela raça, em completo abandono. Como cooperante de uma comunidade modesta, conhecia de perto as necessidades e sofrimentos do povo. Com essas unções, sentia que o Mestre de Nazaré se elevava muito mais, agora, aos seus olhos, distribuindo entre os aflitos as esperanças mais puras e as mais consoladoras verdades espirituais."

A inquietação que tomou conta de mim não foi por causa das riquezas que o Vaticano possui e que é muito criticada pelos não-católicos, mas o que era uma indagação obstinada em meu pensamento, enquanto caminhava pelos museus, era de como a Igreja havia angariado aquela quantidade de obras de arte. Sei que foram colecionadas ao longo de muitos séculos, mas mesmo assim tais coleções tomaram tempo dos Papas e recursos da Igreja. Houve aí o que, na administração moderna, chamamos de desvio de função ou de falta de foco.
Ou seja, os Papas que deveriam continuar a Obra de Cristo, passaram a ser colecionadores de artes. Sei que Deus e Jesus Cristo merecem sempre o melhor, mas não era necessário tanto luxo para enfeitar os templos do Evangelho.

Estevão, quando observava o Sinédrio, se admirava de tanta pompa e riqueza por parte dos seguidores de Moisés. Mal sabia ele que, também, os herdeiros de Jesus Cristo, alguns séculos depois, se esqueceriam de como vivia o Mestre e usariam o seu nome para reunir riquezas.

As coleções de arte do Vaticano são maravilhosas e um verdadeiro registro do passado. Mas eu me pergunto: a Igreja é a entidade mais apropriada para administrá-las? Não seria mais lógico que tanto valor fosse usado em prol dos mais necessitados?

Todos nós cristãos devemos agradecimentos à Igreja Católica, porque foi ela que trouxe o Cristianismo até os nossos dias, mas bem que ela poderia ser um pouco mais parecida com o Mestre.

*Livro "Paulo e Estevão", pelo Espírito Emmanuel, psicografia de Francisco Cândido Xavier